Fogos de Artifício
14 de maio de 2018

Alterações Congênitas

Alterações Congênitas dos Membros Superiores

Autora: Dra. Giana Silveira Giostri

O que é e qual sua ocorrência na população?

Os termos, mal formação, anomalia, defeito ou deformidade congênita são utilizados para definir alterações durante o processo de formação dos membros. Relatos científicos citam que as alterações congênitas acometem cerca de 1 a 2% dos recém-nascidos, sendo que dessas, 10% ocorrem nos membros superiores. Muitas vezes, constituem pequenos defeitos na mão ou nos dedos e sua ocorrência pode não ser noticiada. As alterações congênitas comumente encontradas são as sindactilias (dedos unidos) e as polidactilias (dedos a mais) com prevalência de 2 a 5 casos em 10 mil nascidos vivos, sendo consideradas frequentes. Em contrapartida, uma alteração congênita rara como a mão em fenda atípica ocorre em 1 entre 200 mil nascimentos.

Expectativa ao nascimento.

Na maioria das vezes as alterações congênitas das mãos são ocasionais, não tem relação com hereditariedade ou com eventos isolados durante a gravidez, porém, os pais acreditam ser responsáveis por sua ocorrência tornando a aceitação ainda mais difícil. A formação da mão está completa dentro dos primeiros meses após a concepção da criança, muitas vezes quando os pais ainda não têm conhecimento da gravidez. O profissional especializado deve ser procurado nos primeiros meses após o nascimento da criança para fornecer informações claras sobre a evolução e a conduta frente as alterações congênitas e para tranquilizar os familiares.

Termos Úteis

O significado de alguns termos auxilia na identificação da alteração como, sin (syn) que traduz a união lateral. Já, sim (sym) significa fusão longitudinal. O termo braqui (brachy) refere-se a curto e oligo, a pouco. Campto significa encurvado no sentido da flexão e, clino, no sentido lateral, ulnar (no sentido do osso ulna) ou radial (no sentido do osso rádio). O quadro a seguir expõe alguns termos que traduzem a alteração congênita e auxiliam na difusão entre os profissionais da área.

Considerações sobre Etiologia e Associações Congênitas A causa das alterações congênitas dos membros superiores é desconhecida em 60% dos casos. Cerca de 20% têm associação com fator genético ou ambiental. Algumas associações, como a Doença de Poland são explicadas como uma seqüência de fatos que se inicia por uma falha localizada, em geral, no sistema vascular, nesse caso na parede do tórax, e, se desdobra para todo o membro superior resultando na hipoplasia da mão e dos dedos, associada à ausência de parte do músculo peitoral maior. Outras, ocorrem esporadicamente e não, somente por um evento, como na Associação VACTERL (associação de alterações congênitas: vertebral, anal, cardíaca, traqueal, esofágica, renal e nos membros em geral) onde há deficiência do rádio em conjunto. O padrão de herança autossômica dominante é mais comum que o recessivo e pode estar associado ou não ao comprometimento de outros sistemas como nas síndromes de Apert e de Pfeiffer. Citam-se como exemplo de herança autossômica recessiva as síndromes de Holt-Oram e de Fanconi.

Desenvolvimento da Mão antes do nascimento da criança:

Durante a 4ª semana após a concepção, ocorre uma atividade mitótica na parede lateral do eixo craniocaudal do embrião, denominada Crista de Wolff. Dos 28 aos 30 dias, os vasos desenvolvem-se no broto do membro superior e consolidam sua expansão. No 34º dia, o broto em crescimento expande-se distalmente e forma uma placa correspondente à mão. Aos 36 dias os nervos periféricos ocupam espaço e os raios digitais são formados. O crescimento do broto ocorre por uma sequência de proliferação e de inibição dos tecidos do mesoderma e do ectoderma regidos por sinalizadores, grande parte compostos por fatores de crescimento, genes e proteínas celulares.

Entre 44 e 47 dias após a concepção inicia-se a condrogênese, de proximal para distal, e a formação dos músculos ao redor. A separação dos dedos ocorre por morte celular denominada de apoptose digital, entre 38 e 47 dias. Aos 50 dias há formação cartilaginosa das falanges. Os músculos superficiais iniciam sua diferenciação seguida pelos profundos e somente os intrínsecos das mãos serão diferenciados na próxima fase.

Aos 56 dias é finalizado o estágio embrionário e inicia-se a vida fetal. É nesse tempo, entre a quarta e oitava semana após a concepção, que fatores ainda não bem compreendidos codificam mutações que interferem no desenvolvimento do membro superior determinando alterações na forma, diferenciação, duplicação e tamanho das partes dos membros superiores. O conhecimento da dinâmica desse desenvolvimento regido por proteínas sinalizadoras, receptores moleculares e fatores de transcrição nos auxilia no entendimento das anomalias dos membros superiores e com certeza levará a sua prevenção num futuro próximo.


Desenvolvimento da mão após o nascimento da criança:

A relação inicial do recém-nascido com o mundo é estabelecida pelo toque das mãos ao corpo da mãe, ao próprio corpo e aos objetos. Construímos nosso esquema corporal por meio de informações trazidas pelas mãos. Observando o desenvolvimento normal da mão percebemos que nos seis primeiros meses a tendência dos dedos é permanecer em flexão com o polegar na palma. As primeiras atividades são realizadas utilizando as duas mãos em conjunto para a preensão. A aproximação dos objetos é feita da região hipotenar (lado do dedo mínimo) para a tenar (lado do polegar) das mãos. O uso do polegar em movimentos de pinça mais refinados ocorrerá próximo do primeiro ano de vida. A extensão completa dos dedos e do polegar e também a dominância da mão será observada entre 18 e 24 meses de idade. O conhecimento dessas etapas leva ao estabelecimento de uma linha no tratamento das malformações dos membros superiores.


Quando procurar auxílio do especialista?

Orienta-se que a primeira consulta com o especialista em Cirurgia da Mão ocorra nos primeiros meses após o nascimento. Em geral há uma ansiedade normal dos pais em busca de instrução e principalmente da definição do tratamento.

As alterações congênitas são condições raras e devem ser referendadas para o especialista que tenha acesso a centros de atendimento global dessas condições, onde o diagnóstico precoce, a orientação aos familiares e o tratamento especializado possam ser efetuados em tempo adequado.


Se houver indicação cirúrgica, será realizada em qual idade?

Algumas alterações congênitas podem ter uma indicação de tratamento cirúrgico urgente, ou seja, antes dos 6 meses de idade, como no tipo de polidactilia com dedo pendente ou no tipo de banda de constrição congênita com presença de linfedema grave.

Porém, grande parte das alterações congênitas das mãos com indicação de tratamento cirúrgico serão realizadas após os 6 meses de vida, próximo ao primeiro ano ou mesmo no segundo ano de vida da criança. Essa indicação precoce possibilita a impregnação cerebral adequada e auxilia no desenvolvimento global da criança.

Procedimentos que venham a propiciar o correto posicionamento da mão e dos dedos, como a centralização do carpo na deficiência do rádio, a liberação do polegar da palma, ou ainda, como a diferenciação dos dedos na sindactilia completa (especialmente na união entre dedos de comprimento muito diferente, como o polegar e indicador), deverão ser indicados mais cedo, no primeiro ano de vida. Já, na duplicação do polegar quando há dúvida na escolha do dedo a ser retirado, é prudente aguardar o estabelecimento da pinça com os outros dedos, entre o primeiro e segundo anos de vida da criança para indicar a cirurgia.

Outros procedimentos complementares como, alongamentos ósseos e transferências tendinosas terão mais sucesso se postergados, observando-se as épocas do desenvolvimento da sensibilidade da mão na criança, como a possibilidade de discriminação da textura com 2 a 3 anos de idade, a identificação de objetos com 4 a 5 anos, a grafiestesia e a discriminação de dois pontos com 6 a 10 anos. O refinamento da sensibilidade no desenvolvimento da mão está intimamente ligado à função global. Para a indicação de procedimentos como as transposições tendinosas, também deverão ser consideradas a capacidade de colaboração da criança e o entendimento para cumprir as etapas da reabilitação após a cirurgia.


Qual Alteração Congênita é a mais freqüente na mão?

A mais freqüente é a SINDACTILIA ou falha da diferenciação entre os dedos que acontece entre a 6o e 8o semana após a concepção. Corresponde a 1/2250 nascimentos. Em geral, 80 % das sindactilias têm ocorrência espontânea e história familiar entre 10 a 40 % dos casos. É bilateral em 50% das vezes, mais comum entre os dedos médio e anular, e em meninos.

A classificação dessa patologia é de acordo com seu grau de extensão até a extremidade dos dedos, completa ou incompleta. E, de acordo com a complexidade de envolvimento é denominada simples quando o acometimento é restrito a partes moles e complexa, quando envolve o tecido ósseo (sinostose) ou está ligada a síndromes como Poland, Apert, entre outras.

Também são frequentes as alterações congênitas conhecidas como polidactilia, dedos excedentes, e as bandas de constrição congênita, que são anéis de constrição que envolvem desde a pele podendo acometer a parte óssea causando até mesmo amputações congênitas.


Quais recomendações devem ser lembradas no tratamento cirúrgico das Sindactilias dos dedos das mãos?

a.Tempo para cirurgia: A tendência é operar precocemente principalmente se a sindactilia for completa, onde temos dois dedos de comprimento diferentes causando encurvamento do maior, especialmente quando há envolvimento do polegar ou do quinto dedo. Ou, se for complexa com a necessidade de liberações em outros dedos e associação com anormalidades de todos os tecidos envolvidos. Nesses casos, recomendamos que o procedimento cirúrgico seja realizado dentro do primeiro ano de vida da criança, a partir de 6 meses de idade.

b.Técnica Cirúrgica: temos preferência pela técnica baseada em um retalho retangular dorsal que propicie excelente comissura entre os dedos, com prolongamento para a extremidade em zig-zag, procurando casar as bordas dos retalhos dorsal e palmar dos dedos. Os espaços cruentos serão preenchidos por enxerto de pele total.

c.Áreas doadoras do enxerto de pele total: região inguinal, prega do cotovelo, prega do punho, bordo ulnar do braço e antebraço, de acordo com o tamanho da área cruenta a ser coberta e com a preferência do cirurgião.

d.A utilização de Lupa cirúrgica para magnificação dos pedículos vásculo-nervosos permite a identificação e manuseio de forma precisa e atraumática.

e.Preferimos a utilização de fio de sutura fino, 5.0 ou 6.0, de preferência absorvível, evitando o desconforto da retirada dos inúmeros pontos necessários durante o procedimento.

f.Curativo pós-operatório é feito com gaze entre todos os dedos, chumaços de algodão branco, enfaixamento e posterior engessamento do curativo alto, axilo-palmar. Dessa forma, evita-se o desenluvamento do curativo e o risco de contaminação da ferida cirúrgica pela manipulação dos cuidadores ou da própria criança. Procuramos deixar esse curativo por 10 a 15 dias quando todo o gesso é retirado e então os curativos poderão ser feitos pelos cuidadores em casa, diariamente.

g.Nos curativos seqüentes, cuidados devem ser tomados para que uma gaze seja sempre colocada adequadamente entre os dedos a cada curativo, forçando o espaço da comissura liberada até a cicatrização da pele, em geral nas primeiras 4 semanas do procedimento. Dessa forma estaremos evitando a recidiva precoce da patologia.

h. Após a cicatrização, os cuidados com a pele devem ser intensificados. São necessários massagens cicatriciais e proteção do sol e visitas frequentes para orientações médicas.

i. Uma próxima liberação cirúrgica em comissura adjacente poderá ser realizada após 6 meses da primeira.


O que é policização e quando está mais bem indicada?

A policização é a transferência de um dígito para substituir o polegar. É uma técnica cirúrgica mais bem indicada para os casos de hipoplasia ou agenesia / ausência congênita do polegar. Especificamente para os tipos de deficiências do polegar onde haja inexistência ou não seja possível a reconstrução do polegar malformado. Em geral, essas alterações estão diretamente ligadas às Displasias Radiais – deficiência do rádio no antebraço com graus de hipoplasia, sendo mais frequente a ausência completa do rádio.

A técnica clássica para a Policização foi descrita por Gosset em 1949, modificada por Buck – Gramcko e é utilizada até os dias atuais com algumas modificações sugeridas por vários autores. Os retalhos de pele devem ser minuciosamente desenhados para que todo o dedo transposto seja coberto sem a necessidade de enxertia de pele e com bom resultado estético. O indicador é o dedo mais preferido para ser transformado em polegar. Basicamente transporta-se a articulação metacarpofalângica do indicador para o local da carpometacarpal do polegar. Dessa forma o que era articulação interfalângica proximal do indicador passa a ser metacarpofalângia do polegar e a interfalângica distal do indicador, transforma-se em interfalângica do polegar. Os músculos interósseos do indicador transformam-se em adutor e abdutor do polegar, bem como são adaptados os tendões flexores e aparelho extensor.

A melhor idade para indicação cirúrgica da policização é entre o primeiro e segundo anos de vida, de acordo com a melhor fase para adaptação cerebral do novo polegar transportado. Os resultados estão diretamente ligados à apurada técnica cirúrgica associada ao período de reabilitação para treinamento da função do novo polegar.

Os termos, mal formação, anomalia, defeito ou deformidade congênita são utilizados para definir alterações durante o processo de formação dos membros. Relatos científicos citam que as alterações congênitas acometem cerca de 1 a 2% dos recém-nascidos, sendo que dessas, 10% ocorrem nos membros superiores.